sábado, junho 13, 2009

VÃO- Texto de Matheus Vianna

PARTIDAS-FOTOGRAFIA- Luciano Fraga-2008


Um palco com uma estante de livros...] [... num instante atemporal.


Foi muito rápido. O tempo de um café. Eu sozinho na primeira cadeira, frente à prateleira de revistas. Como um típico perambulante com ares de hippie vadiando com as palavras numa livraria vazia e o vazio de sempre (agora inflado pela ausência). Foi o tempo de uma conexão, congestionada. E ela se aproximava... Observamos-nos imediatamente. Cada olho meu equivalia a uma das minhas cabeças. Ela foi direta para estante, para minha frente. Deu-me um ás de copas logo de cara. A conexão estava lenta, ela atraente. Fingindo que olhava para tela do computador, minha expectativa aumentava na curiosidade de qual revista ela pegaria. As opções eram das mais diversas. O café também demorava. O tempo parecia parado para aquele flerte cotidiano aparentemente vazio. Quando ela se agachou à altura da prateleira inferior não pude conter meu olhar. Ela pegou um gibi da turma da Mônica, da nova turma da Mônica, traços capitalizados do mangar com textos equivocados e oportunistas. Fingiu folhear com interesse, sem convencimento. A essa altura, todas as minhas responsabilidades virtuais já se esvaiam como fumaça. Agora, sua nuca descoberta, pálida – de um cabelo recém cortado me inflavam de desejo, desejo escrever sobre ela, sobre o que ela me provocava naquele instante atemporal. Talvez, não seja por nada disso que vi: o atraso da conexão, do café, do gibi, da nuca... Eu apenas me permitia aquele mergulho que se confundia na minha cabeça, numa mistura de cinema e literatura. Como se estivesse na tela de Truffaut, Bergman ou Allen ou nas páginas de Braga, Fraga ou do velho buck. O tempo se ela tecia cada vez mais, como se aquele momento nunca mais fosse acabar. Era tão bom... Tinha uma sensação muito boa naquilo tudo. Mesmo sabendo que não duraria para sempre. Ela fechou o gibi. Sorriu canto de boca. Fingi digitar. E mais uma vez, repetíamos ações mecânicas e artificiais para vendar nossas reais sensações. Era divertido. Atuávamos um para o outro, numa apoteótica cena de paixão sem palavras. Sorri para o nada – talvez para quebrar o silêncio, ou simplesmente chamar sua atenção. Pensei em chamá-la p um café. Ela pegou uma Bravo. Aplaudi com bastante entusiasmo ainda imóvel, agora sem mais digitar. Um profundo silêncio me deixou surdo, meus olhos fixaram-se naquela direção... Meus olhos arderam muito e pisquei. Quando abri, ela já não estava mais ali. O café estava na mesa e a página aberta me pedia o e-mail e a senha. O monólogo tem me feito bem. Essas serão as primeiras cenas, imagino. Seguirei no palco social, movido por um vazio momentâneo. Mais uma vez sugando-o, o mais puro néctar criativo que poderei. A luz se apaga subitamente. É hora de ir.


Matheus Vianna

4 comentários:

ronaldo braga disse...

um texto muito bom. uma reserva do coração para um flerte

Devir disse...

Revista, sua crônica, digo: Bravo!

Bravo, também, quando em brincando, ou melhor, en passant, como no xadrez, mais porque escolheu perder o trem - da História, quem pode saber? - e menos porque não lhe roubaram a mala e a jaqueta de 'feriado prolongado', fato desagável, porem que serviria de desculpas, se acaso fosse socialmente 100% politicamente correto.

Misteriosas conexões, reais ou virtuais, tão exasperantes quanto diferentes das conexões reais ou virtuais das estradas de ferro, exaperantes apenas quando não são ordenadas a tempo, que surpreendem menos quando não se realizam, tudo pode acontecer em instantes atemporais, e mais porque, desacostumado destes melhores instantes da vida, ficou-se imóvel.

Percebeu, caro amigo, como cada gênero literário tem sua técnica, cada técnica tem seu estilo e cada estilo tem sua pessoa, muito antes dos nomes? Isso remonta ao que lhe disse, tempos atrás, a poesia e, toda Literatura mais fecunda, não pode ser criada a esmo, perdão, a um público leitor imaginário. A imaginação, que parece tão imensurável, é tão somente um extrato da percepção. Voce sabe para que serve os extratos.

Truffaut, Bergman e Allen, que prato requintado. Fiz uma referência ao Ingmar Bergman, com o seu melhor filme, preferência minha, O Sétimo Selo, no meu último post. Este contém mais algumas, rss, conexões desnecessárias disfarçadas de extremamentes necessárias; ingenuidade; acho que realmente não posso afirmar se, classificar como positiva ou negativas, é relevante, a não ser em caso de jurisprudência, ou para evitar uma fatalidade natural da espécie humana(vide o filme, rss).

Não posso deixar de comentar o olhar masculino e feminino, é um top marcador de estilo, e voce foi muito bom.

Grande abraço

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir, como uma fome,sou apreciador desta questão chamada conexão ou conexões.Ávido,necessito de um maior entendimento delas, vou seguir suas dicas filosóficas(digo livros),confesso ser algo ainda travado em minha mente, fico fascinado pelo tema.As conexões necessárias e desnecessárias e aquelas que acontecem ao acaso ou mesmo numa fatalidade, já que não somos consequência de uma intenção própria, ou somos? Somos necessários e fazemos parte de um todo, assim restabelecemos a inocência do devir, a pureza dos fenômenos.Obrigado cara por me fazer pensar, grande abraço.

tania não desista disse...

sempre..há algo a dizer! mas..me presentearei em admirar...o belo
texto...e os
comentários,preciosos,do devir e seu,luciano. as reflexões! tomam conta de mim! a foto! nossa,que bela!
abrs a todos vocês
taniamariza