sexta-feira, junho 20, 2008

A POESIA DE HERCULANO NETO





ANACRÔNICA

Herculano Neto

“Pergunte ao seu Orixá:

o amor só é bom se doer”.

Vinicius de Moraes

Salvador, dezembro de 1998

Hoje acordei com a alegria que as canções trazem pela manhã, mas você fez do meu dia um dia triste (e eu acreditava que nada poderia apagar aquelas cores). Com a razão neblinada não consegui perceber e até pensei em tatuar o seu nome, entre ramos, no meu braço, pensei em ser você e pensei em não pensar em fim. Apostei minhas fichas na discrição, mas pouco ajudou chegar sem alarde ou sair sem adeus.

Há momentos em que tudo parece ser difícil, quase impossível, como fazer Mxyptlk dizer seu próprio nome ao contrário. Ainda assim, conservo diurnamente a esperança da sua chegada, acredito nas cores do dia e duvido de mim quando a noite chega trazendo a certeza de sua ausência. Às vezes quero você, outras vezes quero ser como Kevin em “Anos Incríveis”. Tento não dar espaço às lembranças de sexo e entorpecentes ocupando o meu tempo ocioso com Beatles e poesia – não adianta: cada canção do Rubber Soul tem um pouco de você e cada verso de Cecília Meireles, como outros de Leminsky, projeta sua face no meu inconsciente. Às vezes quero você, outras vezes quero ser como Paul em “Anos Incríveis”.

Tanta vida passou e os sonhos fizeram de mim um desenho macabro, e nada que eu fizer agora, nada, será suficiente para preencher essa vastidão que se tornou minha moradia. Fechado para possibilidades, aberto para questionamentos. Quem poderá, em mim, encontrar abrigo? Não pretendo esgotar minhas lágrimas em um ato final de pura vaidade, até porque o tilintar delas chocando-se no assoalho me ojeriza. Se era pra ser tolerante eu poderia ter sido, mesmo quando você me observava, de soslaio, em silêncio à mesa; ou quando, parado no meio da escada, imaginava os degraus que você subia e descia ruidosamente.

Lembro que a primeira vez que vi seus olhos eles eram rubros e o meu mundo cinza, havia algo em mim muito pretensioso, ingenuidade típica de quem cresceu em Salvador (pseudo-cosmopolita). Aprendi com você a tingir meu mundo e me acostumei com a mutação do seu olhar ao amanhecer. Hoje, para qualquer madrugada longe dos seus olhos, há duas doses de absinto.

* * *

Não sei onde guardei minhas miniaturas do “Comandos em Ação” - dentre os vestígios da infância eram as únicas que haviam restado (a coleção dos Thundercats não sobreviveu às neuroses da adolescência) e agora sem saber onde as coloquei não me sinto mais adulto nem menos infantil, talvez elegantemente arrogante.

* * *

Estava escutando Smiths antes de começar a escrever, provavelmente seja a trilha sonora perfeita para a indiferença. Sei que você odeia a voz de Morrissey, o que torna, para mim, a banda ainda mais interessante.

6 comentários:

Anônimo disse...

Amigo, com certeza estamos juntos nesse trem.

Anônimo disse...

texto bom. há pontos de encontros com a minha escrita

Luciano Fraga disse...

Herculano,nem que seja no trem para as estrelas...

Ruela disse...

Boas Luciano,
convido-o a participar neste blogue: http://novaaguia.blogspot.com/

é só
enviar um mail para: adesao@movimentolusofono.org
Indicar: nome, e-mail e área de residência.
Em seguida recebe o convite e pode começar a publicar os seus poemas.

Abraço.

Luciano Fraga disse...

Ruela,aderir ao movimento,linkei o novaaguia.blogspot.Valeu,abraço.

Zinaldo Velame disse...

Texto legal de Herculano, Luciano.
Quando eu comprei o CD de Fagner, Donos do Brasil e escutei a música Faz de Conta, fiquei admirado. Quando olhei no encarte e descobri qua a música era de Roberto Mendes e Herculano Neto, fiquei também orgulhoso, Recôncavo na cabeça! Parabéns e abraço!